domingo, 4 de outubro de 2015

A velha estrada

Para ler ouvindo:




Na mesma estrada, observando as linhas seccionadas correrem e as árvores passarem como borrões pela janela do ônibus; Ouvindo Cash e as conversas alheias comuns dali, percebi que talvez eu nem gostasse mais de você de fato. Gostava de estar na estrada, de ver as árvores passarem, sentir o vento batendo no rosto, os cabelos voando, de estar em movimento e me sentir leve... Gostava do lugar onde chegaria e do que sabia que sentiria lá - conforto, tranquilidade, silêncio, e aquela preguiça boa de fazer o que eu quisesse no momento em que desse vontade, ou de não fazer nada -; Mas não gostava mais de você, de fato.
...Me sinto feliz nesse momento e sei o quanto isso é um privilégio! Só eu sei há quanto tempo não tenho sentido qualquer resquício de felicidade... Tenho vivido meus dias ouvindo músicas que só alimentam meus lamentos por meus fracassos, minhas dores, meus sonhos inalcançáveis... Mas não quero pensar sobre isso agora. Nem quero ver as coisas passarem pela janela, de fato. Quero viajar! Pra mesma cidade em lugares distantes e até então, desconhecidos; Pra lugares os quais eu já fui e reviver lembranças boas, cheiros e momentos; Pra lugares novos e desbravar suas peculiaridades, ter sensações novas, fotografias e novas histórias pra contar; Dentro de um ônibus, olhando pela janela; Conduzindo um carro qualquer e me sentindo no poder de controlar alguma coisa em minha vida ou, melhor ainda, uma motocicleta e sentindo a brisa bater no meu rosto, meus cabelos embaraçarem e meus olhos lacrimejarem por causa do vento... Sentindo a liberdade. E que estou viva! Que estou quase voando! Perto do céu, que sempre me fascinou tanto! Ou de mim mesma. Viajando nos meus pensamentos... Vivendo. Sorrindo. Gargalhando! Sem me importar com mais nada...
Me embriagar e conseguir, por algumas horas, estar feliz! Tragar a fumaça do cigarro e sentir a paz que isso me traz - como se aquela fumaça me levasse pra outro lugar onde eu riria de tudo aquilo que me dói hoje -, sentir a tranquilidade e a dor no peito e nas costas; Meus pulmões dizendo que ainda estão vivos, apesar de fracos. Mas ao contrário do que acontece de verdade, queria alguém que se importasse com a minha dor. Seja ela física ou na alma... Porque quero sentir que estou viva e, que de alguma forma, isso vale a pena e tem algum sentido o qual apenas ainda não encontrei. Mas gostaria que a vida parasse de me socar a boca do estômago. Que parasse de me deixar cicatrizes no rosto - que me deixam com uma aparência mais seca e me tornam mais fria -, e me fizesse rir com propriedade vez ou outra. Aquele riso que vem de dentro. Real. Mas sem dores. Sem bater e nem sangrar. Como fazem essas angústias tão familiares...
Vai ver, só estou no ônibus a quase voar. Nos meus pensamentos, ou simplesmente seguindo a inércia, a lei da vida. Talvez quase batendo, meu corpo quebrando o vidro e voando por sobre a estrada, quase morrendo e se despedaçando por sobre a pista... Mas estou com Cash, e estou feliz, neste momento. Neste precioso momento. E devido ao caminho que levei pra chegar neste estado - que nem sei com certeza qual foi -, nada mais importa.
Só preciso viver esse valioso e, provavelmente, pequeno momento. Porque só eu sei o quanto ele é único. E quanto o são todos eles. Sejam longos, grandes, ou minúsculos...
Talvez eu só precise parar de me recusar a sair um pouco da cama. Sair um pouco na rua, ver gente, tomar um pouco de Sol... Talvez eu só precise arriscar mais a viver momentos ruins pra ter mais alegrias... Se é que ainda sonho ou que ainda espero de fato por algo. Não sei. Talvez eu só precise parar de sentir medo da dor...