segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Fogueira












Se tivesse agarrado, talvez tivesse libertado;
Espremido tudo aquilo que deveria ser colocado para fora.
Se tivesse soprado, talvez tivesse permanecido.
De fato talvez, chegasse ao fim outrora.

Mas sempre com cautelas, aquele velho medo encolhido,
Medo de ter medo, que já não tenho mais agora.
Bem ou mal, não poderia ter mentido.
Não enxergava nem sabia o que chegou sem demora.

Se realmente soubesse tudo aquilo que pensei conhecer;
Mas era improvável aos corações sedentos e cegos,
Aos olhos externos e passos apressados aquilo prevalecer.
Em corações remendados, impossível não haver pregos.

Enfim, depois de tanto queimar a mim mesma,
Não posso continuar a ter medo da minha própria intensidade.
De tanto fazer do meu próprio fogo, fraqueza,
Queimar os corpos alheios com minha vivacidade;

Depois de tanto censurar a chama que teima em arder,
Não mais desejarei aquela pequena labareda, certeza.
Mesmo que precise algo ou tudo perder,
Assumirei a grandeza para destruir qualquer fortaleza.

Seja este fogo da cor e proporção que tiver que ser,
Sem reprimi-lo, o manusearei com destreza,
Acostumada o bastante para conseguir aquecer,
Em vez de queimar aos outros e a mim mesma.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Faz de Conta

O seu mundo é verde e meus olhos também. Sua maior fascinação, era meu apelido na escola. Sua série favorita é do mesmo gênero que a minha. Temos o mesmo sonho de liberdade e sossego.  A mesma área de interesse. Você é delicado e eu dura. Distante e carinhoso. E vice versa. Você é tímido, mas quando se solta, fica mais à vontade que eu - à primeira vista pareço ser muito extrovertida, mas no fundo, sou tão tímida quanto você. Você é aquilo que eu sou, quando não estou sendo-o e, ao contrário.

Seu passa tempo favorito, é meu corpo, violão. Talvez por isso você sempre soube como me tocar. Você é alto, eu sou baixa. Seu corpo é natural, o meu é colorido. Você é tradicional e eu sou diferente. Você é sensato, eu imediatista. Gosto de atender às minhas vontades mais insanas na hora em que elas surgem, enquanto você gosta de pensar muito bem antes de fazer algo. Você é chato, e eu louca. Você é correto e eu sou toda errada. Você não tem medo de demonstrar seus sentimentos, mas sabe manejá-los racionalmente. Eu sou aparentemente racional e prática, com vontades secretas e atitudes emocionalmente imprevisíveis.

A minha voz te encantou, tal qual fazem as sereias, bem como o timbre da sua me arrepia o corpo todo, ao pé do ouvido. Você escreve poesias rimadas e eu crônicas malcriadas. Suas palavras me levam aos céus, enquanto minha língua faz o mesmo contigo. Eu sei que não sou o que você sempre sonhou. Nem você se encaixa no padrão que eu sempre busquei. E eu me surpreendo com o que sinto por ti, mesmo sendo tão diferente do que eu achei que gostava. Tenho certeza que você também. Mesmo estando longe, sem falar, nem ver, persiste teimosamente o sentimento incontido.

Você é minha inspiração surreal. E eu sou o conformismo de um amor demasiadamente real e a inconstância de uma paixão insana que te faz sonhar acordado. Você me faz reinventar sempre, e eu te ensino a ter uma rotina surpreendentemente indefinida. Contigo não tenho medo de experimentar algo novo, apesar de estar com aquelas familiares borboletas no estômago sempre que estás ao meu lado. Você desperta com talento meu lado criança e brincalhão, apesar de muitos dizerem que sou bastante séria e até antipática. Na verdade, eles não sabem que sou míope e que sonho contigo enquanto brinco de viver automaticamente. Não é porque estou andando, respirando e com os olhos abertos que estou ali, afinal.

Você me faz sentir à vontade, sem ter medo de ser eu mesma, tanto que conhece meus segredos mais obscuros, meu rosto sem maquiagem, meu corpo como ele é e minhas opiniões mais controversas. Sempre me ouviu, entendeu e aconselhou mesmo que nem sempre concordasse. Não sou muito boa em demonstrar sentimentos, confiar, você sabe. Tentei te proteger das minhas dores - como se não tivesse medos ou paranoias, fingindo-me de forte e auto suficiente -, e você acabou se tornando a maior delas. Mas não consigo te odiar, por mais que eu queira. As lembranças são tão inacreditáveis, que consigo apenas ser grata por ter vivido isso. Você despertou a essência que estava escondida lá no fundo da minha alma, atrás dos escudos que eu insistia em empunhar.

Você gosta de viajar e eu enjoo. Quer voar e eu quero saltar de bung jump. Não tenho tias-avós que moram no interior para nos aventurarmos pelas estradas da vida. Não tenho  uma família de comercial de margarina para te convidar pra almoçar aos domingos. Não vou mentir nem me tornar uma cópia sua para te comprar, negando minhas próprias particularidades. Isso não é do meu feitio. Mas posso dizer com sinceridade que a maior viagem que já tive foi dentro dos teus olhos e lugar algum do mundo pode ser mais belo e entorpecedor.

Não sei se pôde perceber o quão inquieta posso ser nas minhas inconstâncias e loucuras repentinas - as famosas vontades que vem do nada e devem ser atendidas prontamente à qualquer custo para não perder o gosto do delírio e o calor delicioso do desejo -, e exageradamente acomodada quando meu coração está em paz. Somos muito semelhantes em tantas coisas. E totalmente ambíguos em outras. Não, a gente não se completa, e não acho que isso seja necessário, porque a gente se transborda, se desafia. E isso é muito melhor do que se completar. Somos felizes de uma forma inexplicavelmente compreensível e surreal. Talvez surreal demais para ser, de fato, real.